Exercício do direito de preferência pelo locatário preterido e necessidade de averbação do contrato de locação às margens da matrícula – Análise à luz da recente decisão do E. Tribunal de Justiça de São Paulo

Será mesmo necessária a averbação do contrato de locação às margens da matrícula do imóvel para exercício do direito de preferência pelo locatário?

Como é sabido, ao proprietário do imóvel locado é garantido o direito de vende-lo ainda que vigente o prazo de locação pactuado entre ele e o locatário.

Isto porque, a locação importa em ato de transferência da posse do imóvel, e não da propriedade, a qual permanece em poder de seu proprietário e que, portanto, ainda conserva seu pleno e livre direito de dispor da coisa locada.

No entanto, a lei exige que nesta hipótese, o proprietário que pretende alienar o imóvel ofereça-a, em primeiro lugar, ao seu locatário, que terá preferência na sua aquisição, em igualdade de condições com terceiros.

Esse direito de preferência do inquilino encontra-se previsto na Lei n. 8.245/91, em seus artigos 27 a 34, e é originado do direito de preferência ou preempção previsto no Código Civil de 1916 (arts. 1.149 a 1.157). Atualmente, encontra-se previsto nos arts. 513 a 520 do Código Civil de 2002.

Com essa previsão, a Lei visa garantir ao locatário o direito de permanecer no imóvel locado, se assim o pretender, evitando ser despejado do imóvel, vindo a sofrer prejuízos de ordem material e moral.

A obrigação do locador consiste em, basicamente, notificar o inquilino, cientificando-lhe da sua intenção de venda do imóvel à terceiro e das condições do negócio que pretende realizar.

Ao locatário, por sua vez, cabe o direito de manifestar sua aceitação integral à proposta no prazo decadencial de até 30 (trinta) dias, não havendo qualquer chance de oferecer contraproposta. É aceitar as condições apresentadas pelo locador, e assim exercer seu direito de preferência, ou liberar o imóvel para que o locador efetive o negócio com o terceiro.

Mas, e no caso de o locatário não ser notificado pelo locador para exercício do direito de preferência, ou, no caso de aceita pelo locatário a preferência oferecida, o locador simplesmente a desrespeita, alienando o imóvel à terceiro? Quais são as consequências?

O art. 33 da Lei n. 8.245/91 diz que o locatário preterido poderá:

  1. Reclamar do alienante as perdas e danos, ou;
  2. Haver o imóvel para si, pretensão esta subordinada à satisfação de algumas condições essenciais, a seguir elencadas: (i) o contrato de locação esteja averbado às margens da matrícula do imóvel, pelo menos 30 (trinta) dias antes da alienação; (ii) o locatário deposite o preço e demais despesas do ato de transferência; e (iii) a ação judicial para tanto seja aforada no prazo decadencial de 6 (seis) meses, contado do registro da alienação no Registro de Imóveis.

Importante observar que a ação a ser ajuizada neste último caso é a ação de adjudicação, a ser proposta contra o alienante e adquirente, que figurarão como litisconsortes necessários. Julgado procedente o pedido, o Juiz adjudicará o imóvel ao autor locatário, expedindo mandado ao Registro de Imóveis para que cancele a anotação da venda e compra anterior.

Recente decisão do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no entanto, prolatada no final do último mês de fevereiro, trouxe interessante abordagem a respeito do tema (Apelação n. 1010667-90.2021.8.26.0099, 27ª Câmara de Direito Privado, j. 27/02/2024).

Em sede de julgamento de ação de adjudicação proposta por locatário preterido em seu direito de preferência em face do locador e do adquirente, decidiu a Corte Paulista que a ausência de registro do contrato de locação na matrícula do imóvel não elide o direito de preferência do locatário se o adquirente demonstrou conhecimento inequívoco da locação.

Com efeito, a autora da ação, locatária, sustentou na inicial não ter sido notificada pelo vendedor, locador, para exercer seu direito de preferência na compra do imóvel (art. 27 da Lei n. 8.245/91), o qual acabou sendo alienado a empresa corré.

Depositando o preço, pleiteou a autora em sua petição inicial a anulação da venda e compra havida entre os corréus e a consequente adjudicação do imóvel em seu favor.

Em 1ª instância, a ação foi julgada improcedente, haja vista o entendimento do Magistrado de que para exercício do direito real decorrente da preferência é indispensável que o contrato de locação tenha sido registrado às margens da matrícula do imóvel, o que não ocorreu no caso dos autos.

Ao julgar apelação interposta pela parte autora, o E. Tribunal de Justiça reformou a sentença, sob o fundamento de que “os compradores tinham conhecimento inequívoco da existência da relação locatícia, de modo que a ausência de averbação do contrato na matrícula do imóvel no Registro de Imóveis, passou a ser inócua…”.

De fato, a parte adquirente confessou na Escritura de Compra e Venda do imóvel ter conhecimento sobre a existência do contrato de locação, e concordou expressamente que a parte vendedora, locadora, deixasse de notificar a locatária a respeito do direito de preferência.

Ou seja, além da confissão quanto a ciência da locação, os corréus também admitiram o descumprimento do art. 27 da Lei n. 8.245/91, ao terem deixado de notificar a locatária a respeito da pretensão de firmarem negócio de compra e venda do imóvel.

Segundo o relator Il. Desembargador Dario Gayoso, “a finalidade exclusiva desta exigência de averbação do contrato de locação é dar ciência inequívoca a terceiros interessados na compra de que o imóvel está alugado e que o locatário tem direito de preferência na compra”.

Assim, uma vez tendo os adquirentes manifestado conhecimento inequívoco da locação, absolutamente inócua a exigência do registro do contrato junto ao Registro de Imóveis, posto que atingida a finalidade de dar publicidade do contrato para torna-lo oponível a terceiros, segundo o Relator do caso.

Ainda para fundamentar sua decisão, foi invocado no v. acórdão julgado do E. Superior Tribunal de Justiça em caso semelhante ao dos autos, da lavra do Il. Ministro Moura Ribeiro, cujo trecho da ementa segue a seguir transcrito: “… 3. A obrigação legal de averbar o contrato de locação visa possibilitar a geração de efeito erga omnes no tocante à intenção do locatário de fazer valer seu direito de preferência e tutelar os interesses de terceiros na aquisição do bem imóvel. Comprovação, nos autos, que o terceiro (comprador) tinha ciência do contrato de locação. Desnecessidade de registro do contrato. …” (AgIn no REsp n. 1.780.197/CE, Relator Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 21/08/2019).

Claramente, esta decisão dispensa a exigência legal de averbação do contrato para exercício do direito do locatário de haver para si o imóvel locado, concluindo que a publicidade “inter partes”, e não a “erga omnes”, prevista em lei, seria suficiente no caso em tela para garantir ao locatário o direito à adjudicação do bem.

À luz desse caso concreto, a conclusão adotada pelo E. TJSP pode ter sido a mais justa, até mesmo para garantia do direito da locatária em continuar desenvolvendo sua atividade empresarial no local (no imóvel, encontra-se instalado aterro sanitário, atividade exercida pela locatária e, curiosamente, pela compradora).

Mas nos parece ser necessária prudência a respeito do tema. A despeito desse entendimento, é extremamente recomendado que os contratos de locação sejam averbados à margem dos contratos para que assim não pairem dúvidas a respeito do direito do locatário em haver para si o imóvel locado, no caso de ser preterido em seu direito de preferência, se esta for a sua intenção, em estrito cumprimento à lei.

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